sábado, 15 de outubro de 2011
Diário do Nordeste - Caderno 3 - Matéria de FÁBIO MARQUES
Lançando dois livros ancorados em muita pesquisa documental, o historiador Ary Bezerra Leite reconstitui os primeiros tempos do cinema no Brasil, entre as salas de projeções e as maletas de exibidores ambulantes Das artes que utilizam complexos artefatos tecnológicos como suporte, o cinema é sem dúvida a que mais impressiona e aguça a curiosidade do espectador. Seja nas novas telas 3D, nos efeitos especiais computadorizados dos anos 1980 ou mesmo na simples projeção encadeada de imagens que gerou o movimento em seus primórdios, no final do século XIX. Em duas obras construídas a partir de uma exaustiva pesquisa documental, Ary Bezerra Leite desvela o início dessa trajetória, onde o encantamento pela sétima arte e a possibilidade de grandes negócios em terras distantes alimentavam o espírito aventureiro de seus desbravadores. Os dois livros foram lançados no começo do mês, no II Coloquio Internacional de Cine - Las Rutas del Cine em América. 1895-1910, no México, e tiveram um pré-lançamento no Brasil durante o 21º Cine Ceará, na semana passada. "A Tela Prateada" é dedicada à cidade de Fortaleza e recupera as primeiras exibições, os exibidores ambulantes, a Maison Art-Nouveau, primeira casa A projetar filmes na cidade, os saudosos Cine Magestic, Rex, Diogo, seguindo o rastro de seu desenvolvimento até final da década de 50, com a esperada inauguração do Cine São Luís. "No começo só tinha um projetor, você exibia uma cena, parava, exibia outra, fazia um intervalo. Podiam ter 10 películas em cada sessão", ilustra o autor.
A segunda obra é "Memória do Cinema: os Ambulantes no Brasil". Nele, Leite amplia esse contexto aprofundando a pesquisa sobre as exibições mambembes em todo o País, recuperando trechos das histórias dos primeiros exibidores e das sessões que organizaram. São mais de 100 exibidores ambulantes registrados por Ary. Figuras como Manuel Pereira dos Santos, o Mané Coco, proprietário do Café Java na década de 20, na Praça do Ferreira. Outros menos conhecidos, como Ernesto Sá Acton, pioneiro da exibição cinematográfica no Estado. "Não existe no Brasil nenhuma publicação no nível desse livro. Eu reuni exibidores que passaram pelo Brasil inteiro", garante o pesquisador. Histórias O primeiro personagem do livro é tcheco Frederico Figner, natural da região da Boêmia, mas naturalizado norte-americano. Ele representava as invenções de Thomas Edson, entre elas, o fonógrafo, "máquina que canta, fala, toca e ri - a Maravilha do Século XIX", e o Kinetoscope de visor, antecessor do primeiro projetor de cinema, que mostrava as imagens animadas em um pequeno visor. Figner circulou vários países latino-americanos, além do Norte do Brasil, a então capital do País, o Rio de Janeiro, e o Ceará. Ele teria feito filmagens à época em Bueno Aires, sendo o primeiro a fazer cinema na América do Sul, título que, lamenta Ary Leite, nunca lhe foi reconhecido. Outro que tem a sua passagem pelo País registrada é o italiano Victor Di Maio, reconhecido como pioneiro das filmagens no Brasil. Ele apaixonou-se por Fortaleza em visita comercial, em outubro de 1907, e, no ano seguinte, inaugurou aqui o Cinematographo Art-Nouveau, primeira sala de exibição fixa da cidade, que funcionou na Praça do Ferreira, até 1914. Entre as curiosidades de nossa história cinematográfica, Ary narra a visita do Circo Pery à Fortaleza, em 1902, trazendo entre as atrações o aparelho de projeção cinematográfica chamado "Biographo Americano". Pertencente ao consagrado artista circense Anchises Pery, o circo mobilizou plateia de todas as classes sociais. Entre os espectadores, um jovem cearense de 18 anos, Luís Severiano Ribeiro, que assistia a sua primeira sessão de cinema. Monopólio
Nos anos seguintes, Luís Severiano protagonizaria o desenrolar da história da sétima arte em Fortaleza, disputando o mercado com empresários como Clóvis Janja e Amadeu Barros Leal . Em "A Tela Prateada", o autor destaca marcos de época como a inauguração dos cinemas de Clóvis Janja, na década de 1940, quebrando mais de 20 anos de monopólio de Severiano Ribeiro. O cinema Cristo Rei, o Cine Rex, que marcaram época e ainda vários pequenos casas de exibições de bairro. "Esse circuito independente traz novidades que não vinham na programação dos cinemas do Severiano Ribeiro", explica o autor. É também em 1940 que o grupo de Severiano Ribeiro lança o luxuoso Cine Diogo, que desponta como o mais requintado cinema de Fortaleza, superando outro como o Moderno e o Majestic. A sala só perderia sua hegemonia em 1958, com a inauguração do Cine São Luís. Ary Bezerra defende a tese que, desde 1935, o Cine São Luís já estaria planejado. "O Ribeiro prometia construir o Cine São Luís. Ele demoliu o antigo Politeama, na Praça do Ferreira, e começou o que seria o São Luís. Só que em 1940, a família Diogo constrói o Edifício Diogo e lá fez a sala de cinema muito moderna que as demais, anunciando que iam arrendar. O Ribeiro para não permitir a entrada de um concorrente, adquire o cinema e, por isso, o São Luís não foi pra frente. Não caberia à Cidade dois cinemas daqueles", argumenta. Banco de Dados Os dois livros são baseados em mais de 50 anos de pesquisas feitas pelo autor, registradas e catalogadas em um acervo pessoal. Ele tem, por exemplo, o registro de todas as exibições de cinema realizadas em Fortaleza, nas primeiras cinco décadas de cinema. "Eu anotava nome, local, dia mês e ano. Tenho até os anos 40 e 50. Comecei a pesquisar também outros Estados, Pernambuco, Maranhão, Bahia", diz o pesquisador, que utiliza como fonte de dados, livro e registros publicados nos jornais, além de arquivos públicos e de instituições privadas. Em sua busca incessante, Ary já realizou pesquisa da produção cinematográfica da França, Dinamarca, Alemanha, Itália, Espanha, Portugal, Estados Unidos e Hungria. Muitos dos dados pesquisados estão em seu site na internet, http://www.memoriadocinema.com.br. "Comecei a fazer meu banco de dados no início dos anos 50. Exerci várias funções que não tinham nada a ver com cinema, mas nunca deixei de fazer meu trabalho (de pesquisa)", lembra. História Memórias do Cinema - os ambulantes no Brasil Ary Bezerra Leite Premius 2011 382 páginas r$ 35 História A Tela Prateada Ary Bezerra Leite SECULT 2011 495 PÁGINAS R$ 30 FÁBIO MARQUES ESPECIAL PARA O CADERNO 3
Caminhos do cinema Publicado em 22 de junho de 2011
http://diariodonordeste.globo.com/materia.asp?codigo=1000764
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